quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Intervalo Para o Cigarro

Não há coisa melhor do que fumar um cigarro no intervalo do trabalho. Quero dizer, há, mas no momento estou sem namorada e sem dinheiro para pagar por uma. Sabe como é, tem a prestação do carro.

O grande problema é que o patrão, seu Lindomar, quer nos privar desta dádiva que é uma das poucas vantagens que se têm por trabalhar na firma. Além disso, a única outra vantagem é o futebolzinho na sexta feira dos casados contra os solteiros.

Fui chamado à sala do patrão para discutir o assunto.

Seu Lindomar está achando que a fase difícil que a firma atravessa deve-se ao nosso precioso intervalo para o cigarrinho. Tentei explicar a ele que situação não tão boa da firma deve-se aos IPI, IR, IPTU, IRRF, ICMS e tantos outros Is que insistiam em subir. Ele rebateu dizendo que o único I que subia era a saia da Irislene, sua secretária, que era tamanho I de Insignificante. Com aquilo ele quis dizer que o intervalo para o cigarro havia acabado e ponto final. E o pior: fui o incumbido de transmitir a mensagem aos meus colegas.

Saí da sala do patrão cabisbaixo. Parei diante da porta, onde todos da repartição direcionaram olhares esperançosos em minha direção. Fiz o gesto universal do cigarro, levando o dedo médio e o indicador aos lábios, e em seguida bati com palma aberta de uma das mãos sobre a outra mão fechada, o gesto universal para o “estamos fodidos”. Todos se lamentaram silenciosamente, daquele jeito que se diz: “puta que o pariu” sem abrir a boca. Até mesmo o seu Aroldo, quarenta anos de firma, que havia largado o vício por causa de um câncer no pulmão protestou em forma de uma tossidela violenta.

Passamos aquela semana desolados. Não conseguíamos nos concentrar no trabalho. O pessoal da contabilidade errava o dois mais dois, o do marketing queria trocar a propaganda do intervalo na novela das oito na globo pelo intervalo dos desenhos animados do SBT, e até mesmo a Marcinha, que cuidava do cafezinho, estava trocando o açúcar pelo sal. Não, não podíamos continuar assim, se não só restaria o caos.

Na noite de sexta resolvemos cancelar o futebol e realizar uma reunião. Todos concordaram. Iríamos entrar em greve. Enquanto não nos devolvessem o direito de intervalo para o cigarro, não trabalharíamos. Até mesmo o seu Aroldo, entre uma tossida e outra, prometeu ser o primeiro a empunhar uma placa em prol da nossa causa, coitado.

Na segunda feira o seu Lindomar se assustou quando nos viu invadir seu escritório, munidos de placas e protestos, exigindo nossos direitos. Confesso que senti até pena do homem, pois lia-se em seus olhos que estava a fazer as contas: indenizações, treinamento de novo pessoal. Não, não. Teria de se render. Seu Lindomar fez um gesto para que fizéssemos silêncio, e subiu na sua mesa para iniciar o discurso.

— Está bem, está bem, vocês venceram. Devolvo o direito do intervalo para o cigarro, mas como uma condição: parem de pegar os cigarros do depósito se não a Cigarros Lindomar LTDA vai à falência.

Todos tatearam os bolsos à procura de moedas e correram à tabacaria da esquina.