sábado, 19 de março de 2011

Obama e o Velho Surdo

A filha solteirona foi até a sala, onde seu velho e surdo pai assistia a um filme com a televisão a todo volume.

— Papai! — berrou. — Estou aqui no quarto usando a internet, vou acompanhar a visita do Obama.

— A camionete do IBAMA? — alarmou-se o velho. — Meu Deus! Vou esconder meus canarinhos!

— Não pai, o “Ôbama”, presidente dos Estados Unidos.

— Ah bom.

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“Que a luz do progresso sempre brilhe nesta nação” disse o presidente dos Estados Unidos, citando Juscelino Kubitscheck, ex-presidente brasileiro e idealizador da nossa capital federal.

Que a luz do progresso “do meu país” sempre brilhe nesta nação, Obama poderia ter acrescentado à citação de JK que certamente um de seus assessores procurou no Google para que seu presidente parecesse simpático ao relembrá-la na presença da Dilma. Ora, que outro interesse teria o homem mais poderoso do mundo (ou não, pois há um certo chinesinho tomando conta do pedaço) numa visita ao Brasil se não, conseguir com que a balança do mercado internacional penda ainda mais para o lado americano?

Obama diz que vê no Brasil um mercado em crescimento que pode ser explorado pela indústria norte-americana e que propõe uma parceria “verde” entre os dois governos para gerar energia limpa e renovável. Bem, eu não sei o que ele quis dizer com “verde”, mas a Amazônia é verde, por exemplo.

Os principais objetivos de Obama, em sua visita ao Brasil, são para reforçar a cooperação dos dois países nas questões de infraestrutura, de educação e de energia. O que interessa à Obama a educação brasileira? Algo do tipo: “Estudem e venham trabalhar no meu país”? A infraestrutura seria para quando os americanos viessem num futuro próximo se apossar — por bem ou por mal — dos nossos minerais.

“Muitos dizem que o Brasil é o país do futuro. Então o futuro chegou.” Quem são estes muitos? Eu pelo menos nunca ouvi ninguém citar isso. Num país de saúde e educação precárias, onde muitas crianças têm de enfrentar uma viagem de várias horas em plena madrugada para chegarem a tempo numa escola que não oferece o mínimo de condições para um aprendizado decente; Onde, em determinadas regiões que por vezes não possuem nem energia elétrica, parteiras trazem bebês à vida sobre uma mesa empoeirada de um engenho, enquanto, nas grandes cidades, a população de baixa renda acotovela-se em filas esperando por atendimento nos hospitais. Bem, se o Brasil é o país do futuro, então acho que o futuro não será muito promissor.

O Homem também comentou que o Brasil é uma das mais perfeitas democracias do mundo. Heim? Ele deve ter esquecido (ou não sabe, o coitado) que os políticos eleitos pelo povo metem a mão na cumbuca desviando dinheiro dos cofres públicos, e, mesmo quando são pegos com a mão na massa, ainda ocorrem incontáveis votações de outros sem-vergonhas para decidir se o gatuno será ou não afastado de seus poderes. Democracia? Concordo. Perfeita? Longe disso.

“Nós queremos ajudar de toda forma possível para que o Brasil possa realizar todo o seu potencial.” O Homem é realmente inteligente. É muito mais fácil iludir um país pacífico com promessas vãs tendo como objetivo final extrair suas riquezas do que gastar milhões por ano com guerras contra povos fanáticos (ou machos, depende do ponto de vista) correndo o risco de receber uma “aviãozada” num de seus cartões postais.

Segundo Obama, o Brasil conseguiu provar que o capitalismo pode existir junto com uma preocupação com justiça social. Cadê a justiça social? Ou melhor, cadê a preocupação?

Talvez seja culpa do povo, como, por exemplo, o caso que aconteceu em Cuiabá há alguns dias, em que o governo ofereceu um curso de costureira a algumas mães de família e uma empresa privada ofereceu trabalho a elas. O objetivo era incentivar essas pessoas a trabalhar para que não dependessem mais de programas como o bolsa escola e o bolsa família, mas, terminado o curso, nenhuma delas apareceu no novo emprego para não perderem o privilégio dos auxílios governamentais. Afinal, para que trabalhar se posso receber parado? E quem paga por isso é a classe trabalhadora, que contribui com sua parte numa das mais altas taxas de impostos do mundo... Pelo menos vamos sediar a copa de 2014.

Se 1984, de George Orwell, fosse ambientado no Brasil, as teletelas só flagrariam determinados sujeitos em atos proibidos, pois seria implementado um filtro que desse liberdade a certos indivíduos esconderem grana na cueca por baixo dos panos. O protagonista poderia faltar ao seu trabalho no órgão público apresentando falsos atestados médicos. O ministério da guerra seria administrado pelos policiais militares que revendem as drogas apreendidas dos traficantes. As rações de chocolate e gim seriam distribuídas em doses desiguais, favorecendo a quem fosse de mais presteza ao governo. O sexo teria como único objetivo gerar crianças é claro, pois, como na obra de Orwell, o amor seria proibido, mas com uma óbvia exceção durante carnaval.

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A filha saiu do quarto e sentou-se ao lado do pai, em frente à televisão.

— Como foi? — perguntou o velho.

— Não sei. Achei seu discurso muito perspicaz, porém contraditório.

— Heim? Ele só quer nossos recursos, nos passar pra trás e o petróleo?

— Mais ou menos isso.

— Minha filha, seu pai é surdo, mas não é burro.