O lugar era
sujo e fedorento como uma toca de ratos. Passei a porta dupla e escorei-me numa
viga, logo à entrada, e comecei a enrolar um cigarro. Havia cinco homens no
pequeno saloon — três jogavam pôquer numa mesa no centro; um bêbado, mais ao
fundo, empenhado em encontrar o fundo de uma garrafa; e o barman, atrás do
balcão, tentando inutilmente tirar a gordura acumulada em alguns copos —, todos
em completo silêncio.
Acendi o
cigarro e fui até o balcão, minhas botas embarradas sujando ainda mais o piso
imundo.
— Uísque —
disse ao barman.
O homenzinho
baixo, de cabelos oleosos, serviu um copo e deixou a garrafa sobre o balcão.
— Maldita
chuva, heim? — perguntou.
— É.
— Vem de
onde, forasteiro?
— De um lugar
onde não fazem perguntas.
Peguei a
garrafa e me dirigi a uma mesa do fundo.
Passou-se
algum tempo, onde o silêncio só era quebrado pelas apostas ditas em voz baixa
no jogo de cartas e pelo barulho da chuva, que o telhado daquele barraco fazia
parecer mais forte do que realmente era.
Repentinamente
um homem escancarou a porta e entrou com passadas apressadas, decididas. Tinha
os olhos injetados de raiva, e uma pesada espingarda de cano duplo que
colaborava em seu aspecto sombrio.
— Quem é o
dono do garanhão malhado para ali fora?! — berrou.
— O mustang é
meu — respondi tranquilamente da minha cadeira.
— O que está
acontecendo, Stanton? — interrompeu o barman.
— Esse filho
da puta matou meu irmão! — continuou o homem grisalho, ainda gritando. — Seu
corpo está atravessado na sela do cavalo.
— A cabeça do
seu irmão vale alguns dólares em Nogales, por isso o matei. — expliquei
enquanto servia mais uísque. — A sua não vale nada, então o aconselho a me
deixar em paz se tem amor à pele.
— Guarde seus
conselhos e saque sua arma!
Comecei a
beber tranquilamente a dose que eu acabara de servir. Isso deixou Stanton
nervoso, sem saber direito como agir. Sua atenção estava em minha mão direita,
que segurava o copo, o que foi seu primeiro erro. Enquanto eu bebia, minha
outra mão estava a poucos centímetros de um dos meus colts. Homens que carregam
coldres duplos não são difíceis de encontrar, mas os que atiram tão bem de
esquerda quanto de direita são muito raros. De onde estava, meu adversário não
tinha visão da minha arma, o que o deixava em desvantagem, por isso esperei que
tomasse a iniciativa. Levei novamente o copo à boca, e ele aproveitou o momento
para erguer sua espingarda. Foi seu segundo erro.
Saquei o colt
com a mão esquerda e atirei. A bala explodiu no peito do homem antes que
pudesse puxar o gatilho. Ele soltou um grunhido surdo e dobrou-se sobre os
joelhos, sua espingarda caiu de lado seguida por seu corpo. Estava morto.
Levantei e me
dirigi à saída. Joguei um dólar de prata sobre o balcão e disse ao barman:
— Se
aparecerem mais parentes querendo vingança, diga que podem me encontrar em Nogales. Meu nome é
Vince Logan.
————————//————————
Cheguei à Nogales dois dias
depois. Chovera por quase todo o percurso, o que foi bom, pois se o habitual
sol causticante da região tivesse me acompanhado, o cadáver de Morgan Stanton
estaria fedendo mais do que já estava.
Entreguei o corpo ao xerife e
recebi a recompensa. Já estava de saída do escritório do homem da lei, quando
um cowboy chegou a galope.
— Xerife! Xerife!
— Diga homem, o que houve?
— Sou vaqueiro do Duplo D, nosso
rancho acabou de ser atacado pela quadrilha de Bud Miller. Além de três homens,
a mulher do Senhor Dagget foi morta no tiroteio.
— Tem certeza que era Bud
Miller? — perguntei antes que o xerife tivesse tempo de dizer algo.
— Sim. Eu o vi uma vez em
Albuquerque, e o reconheci apesar do lenço que cobria seu rosto. Também escutei
um dos seus homens o chamando pelo nome.
Deixei o homem dando mais
explicações ao xerife, montei no meu cavalo e parti. O rancho Duplo D ficava a
doze quilômetros ao norte da cidade. Seria uma cavalgada rápida apesar de o meu
cavalo estar exausto.
Há tempos Bud Miller era
procurado pela justiça. Ele cometera todo o tipo de crimes, mas por ter
assassinado um juiz em Laredo uns anos atrás sua cabeça valia cinco mil
dólares. O cartaz de recompensa com sua cara feia estampada estava esquecido no
fundo da minha bolsa de sela em meio a tantos outros, mas agora que eu tinha
uma pista quente para seguir não perderia tempo.
Cheguei ao rancho e peguei
informações com alguns homens. Os bandidos eram sete, e tinham partido para
oeste.
— Você vai sozinho atrás deles?
— perguntou Dan Dageet, dono do rancho.
— Vou acompanhado de doze
soldadinhos de chumbo calibre 45 — respondi pondo a mão nos meus colts.
— Acrescento mais dois mil na
recompensa se me trouxer o bastardo vivo.
— Pode separar o dinheiro — eu
disse, e parti.
———————//———————
A chuva cessara por completo,
mas o sol ainda estava escondido atrás das nuvens. As pegadas recentes eram
fáceis de seguir, porque o terreno estava úmido. Notei que um dos cavalos
estava manco e outro tinha uma ferradura com a ponta quebrada. A sorte estava
ao meu favor. Com aquelas particularidades nos rastros, seria praticamente
impossível confundi-los com algum outro grupo de número semelhante que
eventualmente estivesse na mesma trilha.
Segui devagar, fazendo paradas
regulares para dar descanso ao meu mustang, que já começara a reclamar por umas
férias.
Ao anoitecer acampei para dormir
um pouco. Na escuridão eu correria o risco de perder a pista ou acabar caindo
numa emboscada sem perceber. Não fiz fogueira, pois não sabia exatamente a que
distância eles estavam e não queria ariscar ser descoberto. Mastiguei um pouco
de carne seca sonhando com um bom bife. Tive inveja do cavalo, pois o pasto era
abundante e ele estava mais bem servido do que eu.
Ao amanhecer o sol nasceu forte.
Meu velho mustang estava bem descansado então eu poderia avançar com rapidez.
Passava um pouco do meio dia
quando notei, pelos rastros, que os homens haviam se dividido. Três deles
atravessaram um pequeno afluente do rio Colorado e seguiram para o norte; os
outros quatro continuaram para oeste. Também continuei seguindo a trilha que ia
para oeste, por dois motivos: um deles montava o cavalo da ferradura quebrada,
que era o rastro mais fácil de seguir; e sendo o grupo maior, a probabilidade
do chefe do bando estar com eles também era maior.
Já entardecia quando os rastros terminaram num
pequeno povoado fantasma. Eu já passara por lugares assim outras vezes: eram
cidades construídas de uma hora pra outra, próximas a uma mina de ouro ou prata
recém descoberta, mas eram abandonadas assim que o minério se esvaísse por
completo. O que restava desta era um amontoado de construções caindo aos
pedaços, habitado por cascavéis e escorpiões.
À entrada do povoado uma placa
dizendo “Bem Vindo a Benson City” jazia crivada de balas.
Num barraco à esquerda, um velho
de cabelos e barba brancos pregava alguns caixões. Bem, se havia um coveiro
construindo caixões também existiam futuros inquilinos para habitá-los.
— Um e oitenta e nove, acertei?
— ele disse, mostrando um sorriso banguela por baixo da barba cerrada. — Eu
nuca erro.
— Seus olhos ainda funcionam
bem, velho, mas poupe o trabalho fazendo um caixão pra mim. — Acendi um cigarro.
— Quatro homens chegaram recentemente... Onde estão?
— No saloon, logo ali na frente.
Vai ter confusão, não é?
Ignorei-o e fui até o lugar onde
ele indicou. Deixei o mustang do outro lado da rua, junto com os cavalos deles,
e caminhei até o saloon.
O lugar fedia a uísque e a mijo
velho. Os quatro homens bebiam numa das poucas mesas inteiras do lugar. Um
deles contava sobre uma prostituta perneta que conhecera em Tombstone e os
outros gargalhavam. Fingiam não se importar nenhum pouco com a minha presença. Bud
Miller não estava entre eles.
O barman tinha uma cara de rato
cortada por uma cicatriz que ia da bochecha ao olho esquerdo.
— Cerveja.
Ele ficou imóvel, como se não
tivesse escutado. Joguei uma moeda sobre o balcão e repeti:
— Cerveja.
— Não tem cerveja — cuspiu,
indiferente.
Havia um pequeno barril sobre o
balcão e um pouco de espuma pingava pela torneirinha que dispersava o líquido.
— E o que é isso aí? — apontei
para o barril.
— Você não ouviu ele dizer que
não tem cerveja ou por acaso é surdo? — interrompeu um dos homens, o que
contava a história.
Voltei-me em sua direção,
ficando de costas para o barman.
— Se espera reencontrar sua puta
de uma perna só qualquer dia desses, é melhor não se meter — avisei.
Fiquei esperando que ele
reagisse puxando a arma ou rebatesse com um xingamento, mas nada aconteceu.
Fiquei o encarando e vi que seus olhos brilharam como um gato que está prestes
a abocanhar um rato gordo. Para minha sorte, havia os restos de um velho
espelho no lado oposto de onde estávamos, e notei pelo reflexo que o barman
puxava um rifle de baixo do balcão.
Me virei sacando o colt num
gesto que eles não puderam acompanhar e meti uma bala no meio daquela cara de
roedor. O sangue espirrou nas garrafas da prateleira atrás dele.
Não esperei para ver o que
acontecia. Saltei por cima do balcão ao mesmo tempo em que uma chuva de balas
passou zunindo em meus ouvidos. Fiquei agachado enquanto cacos de vidro
misturados a uísque barato caíam sobre mim. Espiei pelo canto de baixo do
balcão, no lado direito. Três deles se protegeram atrás de uma mesa virada, e
um deles vinha em minha direção. Se ele estava cansado de viver, resolvi
ajudá-lo: levantei e, batendo com a palma da mão esquerda no cão da arma,
efetuei dois disparos, que explodiram no peito do homem, fazendo-o tombar para
trás, já sem vida. Mandaram bala sobre mim outra vez, mas eu já havia me
escondido. Fizeram uma pequena pausa para recarregar e eu aproveitei. Me ergui
com um colt em cada mão e despejei chumbo sobre eles. Um dos homens botou a cabeça
pra fora para tentar revidar, e um projétil o atingiu na testa. Faltavam dois.
Os disparos cessaram e eu
recarreguei meus instrumentos. Depois pus em prática um velho truque: peguei o
rifle que o barman tentara usar contra mim e pendurei meu chapéu no cano, então
fui erguendo o chapéu devagar, na extremidade oposta de onde eu estava. Assim
que ficou à mostra, meu velho chapéu virou alvo, e eu apareci no outro canto do
balcão e atirei, acertando um homem na barriga.
O Silêncio reinou por alguns
instantes. Eu já pensava em aprontar outra brincadeira, quando escutei passos
apressados. O bandido restante havia dado o fora. Quando ouvi o barulho de um
cavalo partindo a galope, saí da minha barricada. Não me preocupei em conferir
se ele tinha fugido com meu mustang, pois meu amigo não permite que outra
pessoa o monte.
O homem que eu havia acertado na
barriga se contorcia no chão, tentado pegar o revólver que caíra próximo a ele.
Engatilhei meu colt e avisei:
— Você já tem um pé na cova, mas
se quiser entrar de corpo inteiro ponha a mão nessa arma.
— S-seu... seu bastardo — ele
grunhiu. A voz saiu acompanhada de um ruído estranho, causado pelo sangue que
saía de sua boca e o fazia engasgar.
— Diga onde posso encontrar
Miller que acabo com seu sofrimento.
— Fla... Flagstaff.
Cumpri o prometido puxando o
gatilho.
Do pequeno barril sobre o balcão
jorrava cerveja por um buraco de bala. Encontrei um caneco inteiro, o enchi e
bebi. Tinha gosto de mijo.
No saloon restavam quatro
cadáveres e o cheiro de pólvora e sangue no ar. Dei o fora dali.
Na saída do povoado, aquela
singular e banguela figura continuava com seu trabalho macabro.
— Prepare quatro caixões, velho.
Sabe as medidas, não?
— “Quatro”, você disse? Então
não sobrou ninguém. Quem vai pagar meu serviço?
— Isso não é problema meu.
Adiós.
Parti rumo à Flagstaff. Já
estava mais que na hora de conhecer o famigerado Bud Miller.
——————//——————
No amanhecer do terceiro dia de
viajem, avistei um grupo de cinco apaches vindo em minha direção. Eles montavam
em pêlo, mas traziam três cavalos selados pelas rédeas. Saquei meu winchester
do estojo de sela e fui avançando devagar. Eles ficaram parados, esperando. À
medida que chegava perto, notei que em um dos três cavalos selados, havia um
cadáver amarrado: era o homem que havia fugido de mim no povoado fantasma.
Um dos índios cravou sua lança
no chão e deu três voltas em torno dela com o cavalo. O sinal queria dizer que
pretendia parlamentar. Fiz sinal positivo com a cabeça e ele veio até mim.
Para minha sorte ele era um
homem maduro. Se o grupo fosse composto somente por jovens guerreiros eu
estaria encrencado. Ele parou muito próximo a mim. Nossos cavalos ficaram
cabeça a cabeça. Não tirei os olhos dos dele nem por um segundo, pretendendo
demonstrar que não sentia medo.
Ele apontou meu cavalo e depois
apontou para o próprio peito. Fiz um sinal negativo com a cabeça: ninguém pega
meu mustang. Tirei um cantil com uísque da sela e entreguei a ele. O índio
bebeu um gole generoso e pendurou o cantil ao redor do corpo. Me iludi pensando
que se contentaria com o uísque. Ele ficou parado, esperando algo mais. Eu
tinha mais de quinhentos dólares comigo, mas o dinheiro não tem valor para os
índios. Peguei meu winchester pelo cano e entreguei a ele. O apache verificou o
rifle e vi seus olhos se iluminarem. Era é uma bela arma, modelo 73, muito
melhor que os ferros velhos que eles usavam. Havia um cacto jovem a dez metros
de distância, ele atirou e o partiu em dois para delírio dos seus companheiros,
que soltaram gritos de guerra para o alto. Ficou admirando o rifle com o
semblante sério, acho que pensando o que decidiria. Diabo! Eu perderia o escalpo
antes de entregar meu mustang.
Mas não foi preciso. Ele fez
sinal positivo com a cabeça e saiu de lado para que eu passasse. Os quatro
jovens atrás dele o seguiram soltando seus gritos. Perdi um bom rifle, mas
conservei a pele. Não foi um mau negócio.
Alguns dias depois cheguei à
Flagstaff. A cidade era grande e os vários saloons da rua principal estavam
lotados. Deixei meu mustang numa estrebaria e pedi que fosse bem tratado,
depois comecei a ir de saloon em saloon procurando Bud Miller. Tive sorte na
quarta tentativa.
O Red River Saloon estava cheio.
Era um lugar limpo e agradável, diferente das ratoeiras que eu freqüentara
ultimamente. O espaço era grande e animado por várias prostitutas que faziam
seu serviço nos quartos do segundo andar. Bud Miller jogava pôquer com mais
dois homens.
Bebi duas ou três cervejas
observando o homem até me certificar que seus cúmplices não estavam por perto. Fui
até ele.
— Tem lugar pra mais um? —
perguntei a Miller.
— Depende da
cor dos seus dólares.
Peguei um
maço de notas do bolso.
— A cor
agrada?
— Puxe uma
cadeira.
Depois de
quatro ou cinco rodadas, percebi que Miller trapaceava. Entrei no jogo e
comecei a trapacear também. Com aquela roubalheira não demorou a depenarmos os
dois patos que nos acompanhavam. Acabamos ficando no mano a mano.
Eu tinha mais
ou menos setecentos dólares na mesa, e Miller quase dois mil. Ele começou a embaralhar
as cartas, depois distribuiu cinco para cada um.
Olhei as
minhas cartas e não era um bom começo: rei e dez de espadas. As outras tinham
naipes e valores diferentes. Ele conferiu seu jogo e soltou duzentos dólares
sobre a mesa. Resolvi confiar na sorte e cobri. De qualquer forma aquela seria
a última rodada.
— Quantas
cartas? — perguntou.
— Três. — E
descartei as que não serviam.
Miller não
trocou nenhuma carta.
Puxei a
primeira carta: dama de espadas. Puxei a segunda carta: valete de espadas.
Puxei a terceira e olhei primeiro o naipe: espadas. Fiz um esforço para não
sorrir. Diabo! Não era um Ás, era um nove, mas mesmo assim uma ótima mão.
Miller era um
bom jogador e permaneceu impassível quando depositou mais trezentos dólares na
mesa.
— Aposto
tudo. — E empurrei para o meio da mesa o restante da minha grana.
Com o jogo
alto, espectadores começaram a aglomerar-se em torno de nós. Miller ficou me
observando enquanto coçava o enorme bigode imaginando se eu blefava. Ficou
alguns instantes assim até que abriu um sorriso.
— Estou no
jogo — ele disse, depositando dinheiro suficiente para pagar a aposta. — É uma
pena que você esteja liso, porque com essa mão eu apostaria tudo o que tenho.
— Até sua
alma?
— Que?
— Eu poderia
fingir que não notei seu jogo sujo e não dizer que você é um trapaceiro filho
de uma égua.
— O que
voc...
— Cale a
boca, eu não terminei! Eu poderia não dizer, mas vou dizer: você é um
trapaceiro bastardo que joga com o dinheiro sujo dos seus crimes...
— Seu desg...
— Cale a
boca! Vamos fazer o seguinte: não tenho dinheiro comigo, mas tenho um pedaço de
papel com essa sua cara feia que vale cinco mil dólares, vivo — joguei o cartaz
de recompensa sobre a mesa — ou morto.
Os
espectadores abriram espaço e um silêncio mortal reinou no saloon. Miller levantou-se
devagar, sua cadeira fazendo um ruído ao ser arrastada. O imitei e ficamos frente a frente.
Sua mão
baixou devagar até a altura da arma — uma schofield 44 — e seus dedos abriam-se
e fechavam-se próximos ao cabo. Permaneci imóvel, com a mão congelada à altura
do colt. Uma gota de suor projetou-se na testa do facínora e começou a
percorrer lentamente sua face até parar pendurada na ponta do bigode. Fiquei
atento ao seu olhar, esperando um movimento. Pisquei o olho, o que fez um
lampejo de raiva inundar sua expressão. Ele estreitou as pálpebras e sacou. Fui
apenas um segundo mais rápido, mas o suficiente para fazer uma bala destroçar a
mão que segurava a arma. O revólver voou longe e ele soltou um urro de dor.
Devolvi meu colt ao coldre e Miller aproveitou o movimento para me atacar,
furioso como um urso pardo ferido. Veio pra cima de mim com as duas mãos
abertas, mas agarrou o ar. Dando um passo para o lado, soquei seu estômago com
a esquerda e ele se dobrou em dois. Arrematei com um cruzado de direita na
lateral da face, sentindo um osso estalar com o impacto da minha mão. Com ele
caído aproveitei para chutá-lo no estômago. Gostei do resultado e chutei outra
vez, desta vez no rosto. Ele caiu descordado, com os braços abertos e a cara
tingida de sangue.
Acendi um
cigarro e conferi as cartas de Miller: quatro Ases. Patife até o fim. Peguei da
mesa os quinhentos dólares com que tinha começado o jogo.
— Repartam o
resto do dinheiro entre vocês dois — eu disse aos patos que havíamos depenado.
— Miller estava trapaceando... e eu também.
Carreguei o homem nas costas
para fora do saloon, enquanto era observado por olhares atônitos, e o levei até
a estrebaria. Amarrei Miller na sela do seu próprio cavalo e me dirigi à saída
da cidade puxando o animal pelas rédeas. Esporeei meu mustang pra fora da
cidade. Queria estar longe dali quando os comparsas de Bud Miller dessem falta
do chefe.
——————//—————
Depois de mais de uma semana de
estrada, cheguei ao rancho Duplo D. Minha viajem de volta poderia ter sido tranqüila,
se meu prisioneiro não tivesse chamado minha mãe de todos os tipos de nomes
durante a maior parte do percurso.
Dan Dagget estava esperando em
frente à sua casa. Sorriu ao me enxergar e fez uma cara de nojo quando viu
Miller amarrado ao cavalo. Sem dizer nada, ele entrou em casa e voltou com um
laço. Miller ficou pálido ao ver Dagget preparando o nó da forca.
— Faça o que tem que fazer, e
depois leve o corpo ao xerife para pegar a recompensa. Estarei esperando no
hotel pelo dinheiro que me deve.
— Pode confiar. — ele afirmou.
O aspirante a defunto começou a
gritar alguma coisa, mas Dagget o calou com um pontapé. Aquela história não me
dizia mais respeito então parti sem demora. Quando olhei para trás, o rancheiro
estava passando a corda por cima de um galho de uma velha árvore. O facínora
teria o final que merecia.
Peguei a trilha de volta à
cidade e já tinha me distanciado do rancho quando, de súbito, escutei uma voz
gritar atrás de mim:
— Vince Logan!
Voltei-me na direção da voz e vi
um jovem que mal tinha barba na cara. Trazia um velho colt dragão no coldre.
— Sou eu.
— Meu nome é Neal Stanton. Você
matou meu pai e meu tio há uns dias atrás. Vim lhe apresentar a conta.
Apeei do cavalo e me aproximei.
Ficamos a cinco metros um do outro.
— O inferno está cheio de gente
que quis me apresentar contas desse tipo, garoto.
Ele não se intimidou e levou a
mão à arma, mas a minha já estava empunhada antes que ele tocasse o cabo da
dele.
— Quer tentar de novo? —
perguntei, devolvendo meu colt ao coldre.
Ele engoliu em seco. Sua mão baixou
novamente, mas foi ainda mais lento que antes. Foi tomado pelo medo quando deu
de cara com o cano do meu revólver pela segunda vez.
— Vá pra casa, garoto. Me
procure daqui alguns anos.
Ele ficou no mesmo lugar, as
pernas tremendo um pouco. Resolvi incentivá-lo: arranquei seu chapéu da cabeça
com um balaço. Isso fez ele se decidir.
— Eu vou voltar.
— Estarei esperando.
Fiquei observando até que ele
desaparecesse do meu campo de visão atrás de uma colina. Diabo! Algum dia aquele
rapaz iria me dar trabalho. Mas agora eu só pensava em alguns dias de descanso
regados com muita cerveja.