quinta-feira, 15 de julho de 2010

Mau Presságio

Provavelmente o inevitável acontecimento que mais abomina a vida de um pai, é a apresentação do primeiro namorado da filha. Que pai gosta de ver sua preciosa garotinha — aquela que ele embalou, contou histórias, levou para tomar sorvete e revelou o grande segredo por trás do arco-íris — ser tocada pelas mãos sujas de um homem qualquer? Pois ele sabe o que se passa na cabeça de um adolescente que está na idade de fabricar espinhas encerrado no banheiro.
No começo é tudo ilusão: palavras de carinho, o velho e infalível truque de se espreguiçar no cinema para colocar o braço sobre o ombro da menina, os beijinhos comportados no portão e as ligações de horas no meio da noite (o que sempre causa inexplicáveis aumentos na conta telefônica). Mas depois a coisa começa a ficar pesada: aquela mão boba por baixo do sutiã, que vai baixando até a saia, por entre as coxas e, se passar daí, já era.
Pelo menos no tempo do seu Afrânio era assim. Hoje não é necessário mais do que duas ou três cervejas na balada para acabar num 69 no motel.

* * *

O seu Afrânio roia as unhas. Isso só de aperitivo para acompanhar o meio litro de uísque que já bebera. Faltavam poucos minutos para a filha chegar com o primeiro namoradinho em casa. Namoradinho... o facão já estava amolado e o revólver lubrificado para botar o marmanjo para correr caso não gostasse. E não gostaria.
Enfim chegaram. O garoto tinha quatorze anos, ela treze. Sentaram-se no sofá em frente ao seu Afrânio, com um espaço de 45cm de distância um do outro — fazer o que? Norma da casa — ambos muito envergonhados e comportados até demais.
Deu-se início a entrevista: Idade? Telefone? Endereço? Tipo sanguíneo? Como vai no colégio? O que pretende para o futuro? Quando vai ser o casamento? Ah, o seu pai foi militar? Marinha? Pena, servi no exército. Tem um cachorro? Qual o nome dele? E as figurinhas da copa, faltam muitas? Pra que time torce? E acha o Ganso melhor que o Ronaldinho? Fala sério.
A todas as perguntas, por mais assustador que o velho fosse, o garoto tinha uma resposta satisfatória na ponta da língua. A filha com certeza estava orgulhosa, pois tinha certeza que o namorado agradara e até mesmo surpreendera o pai.
No final da visita, despedidas feitas, apertos de mão trocados. A filha, serelepe e ansiosa, dirigiu-se ao pai:

— E então, pai? O que achou dele?
— Não sei, filha, algo me diz que esse garoto não presta.
— Como assim, pai, por que acha isso?
— Sei lá, ele tem uma cara... Não quero mais ver você com esse garoto. Ponto final.
A filha desatou-se a chorar e, entre um soluço e outro, disse:
— Pô, achei que o senhor iria gostar. Ainda mais que ele sonha em ser jogador de futebol. Goleiro. E do seu time, o Flamengo!