"Todos os escritores são vaidosos, egocêntricos e ociosos, e bem no fundo de seus motivos jaz um mistério." George Orwell
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Final Feliz
Ele estava sentado no sofá da sala tendo como companhia uma garrafa quase vazia de uísque e suas recordações. Ainda podia vê-la: com seus olhos azuis e cachinhos dourados arrastando a boneca esfarrapada pelo carpete. “Papai, você vai me levar ao parque hoje?” Mas ele não podia. Sempre tão ocupado com seus malditos livros. Se pudesse prever o futuro nunca teria escrito o primeiro romance, preferia ter ficado o resto da vida lecionando literatura na escola pública, ganhando aquela miséria. Não haveria nenhum luxo e nem carros do ano, mas... Pro inferno! Pelo menos haveria tempo para levar a pequena Amanda ao parque, pelo menos ela ainda estaria ali com ele.
Uma lágrima percorreu seu rosto parando em seus lábios, ele sentiu o gosto amargo da dor e o dissolveu com outra dose de uísque. Adormeceu...
A pequena Amanda sentia-se entediada da maneira mais pura que uma criança de cinco anos poderia sentir-se. Ela não queria mais ficar em seu quarto lotado de tantos brinquedos que já tinham perdido a graça. Queria mesmo brincar com o papai no parque. Olhar os patinhos nadando no chafariz enquanto tomava sorvete, andar de balanço ou descer correndo pelo escorregador. A tia Janice sempre a levava, mas ela não estava ali agora. “Por que ela não vem brincar comigo aos domingos?” Mas, mesmo assim, não era a mesma coisa. Com o papai era mais legal. Ele a carregava nos ombros e fazia aquele barulho de cavalinho. Mas fazia tanto tempo que ele não ia com ela. Agora ele só ficava sentado na frente do computador. Nunca tinha tempo. “Será que ele não gosta mais de mim? Por que a mamãe teve que ir para o céu? Se eu tivesse mãe talvez ela pudesse me levar no parque”
A criança abandonou sua boneca no chão do quarto e correu para a sala. Definitivamente iria convencer o pai a levá-la para passear.
— Papai! Papai! Vamos ao parque? Só um pouquinho?
— O papai tem que trabalhar, querida — respondeu sem ao menos tirar os olhos da tela do computador.
— Mas você nunca me leva — choramingou a criança.
— Não se preocupe, amanhã a tia Janice leva você. Deixe-me trabalhar. Depois vamos pedir uma pizza. Que tal?
Amanda voltou cabisbaixa ao quarto, mas enquanto choramingava teve uma grande idéia. Iria só, ao parque. Iria sim. Ela sabia onde ficava, era só andar um pouco e atravessar aquela rua e pronto. Calçou as sandálias e pegou a velha boneca. “Agora só falta pedir ao papai.” Voltou até a sala.
— Papai, posso ir sozinha ao parque? — perguntou a menina numa voz tão baixa, pois sabia que provavelmente a resposta seria não, que o pai não escutou. — Posso? — repetiu, agora em voz alta.
— Pode, pode. — disse o pai impaciente, sem desviar os olhos do trabalho.
— Oba! — e com esse grito de euforia ela partiu rumo à sua aventura.
Em poucos minutos a garotinha já tinha percorrido boa parte do caminho, pois ia correndo pela rua, como sempre fazia com a babá. Mas espere. Agora teria que atravessar a rua, e sabia que era perigoso. Olhou para o sinal que a tia Janice sempre mostrava. “Qual era mesmo a hora de atravessar? Vermelho ou verde?”
O homem foi despertado pelo toque do telefone. Só podia ser o maldito editor perguntando pelo andamento do livro.
— Alô? Sim... Sim... Sim, está pronto... Não, não vou sair de casa. Mande alguém vir buscar amanhã... Está bem... Até mais.
Após desligar o telefone ele olhou para o maço de folhas sobre a mesa de centro. Na capa lia-se: “Final Feliz”. Seu segundo romance, este que havia sido inspirado pela morte da sua amada esposa no parto, e de como um pai e uma filha poderiam viver felizes com a ausência materna. Ao lado do maço de folhas via-se um recorte de jornal de uns meses atrás: “Criança de cinco anos morre atropelada na Rua Carvalho Souza.” Só que este não era o final que ele planejara.
Pegou seu revólver que estava sobre a mesa da cozinha havia semanas, encostou o cano da arma na testa e puxou o gatilho.
Uma bala no crânio... O único final feliz que aquele homem poderia ter.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Perereca Enlatada
O Mengão tomou dois gols em menos de cinco minutos, e o Sr. Teixeira, supersticioso como era, lembrou-se que o seu time tinha feito o primeiro gol no mesmo momento em que ele levava o pêssego à boca. Gritou pela esposa, mas esta não respondeu. Então ele correu para a geladeira servir-se de uma segunda porção de sobremesa. Abriu a lata do doce, mas, para sua surpresa, havia uma perereca boiando junto aos pêssegos. Perereca? Sim, perereca, destas que de vez em quando encontramos no canto do banheiro. Imediatamente ele berrou o nome da sua companheira:
— O que é amor, o que é? — respondeu ela aparecendo na porta da cozinha.
— O que essa perereca está fazendo dentro da lata de pêssegos?
— Ai que nojo! Não sei, eu apenas abri a lata, servi para você e guardei-a na geladeira. Eu não tinha visto esse bicho aí dentro. Ainda bem que não comi.
Óbvio que o Sr, Teixeira desistiu de comer mais uma pedaço de pêssego, e foi por isso, segundo ele, que o Mengão perdeu de 5x1. No dia seguinte ele, furioso — mais pelo Mengão ter perdido para o Flu do que por ter comido pêssego com perereca —, fez uma denuncia à vigilância sanitária, explicando o ocorrido. Ao chegar ao trabalho naquele dia, fez a besteira de contar para os amigos o que acontecera na noite anterior. E nós sabemos que a segunda pior coisa no mundo é ter que aturar amigo chato debochando dessas coisas, a primeira é o seu time perder para o rival na final do campeonato.
— Aí Teixeira, sua senhora botou a perereca na conserva, foi? — disse o Silva.
Risadas.
— Ei Teixeira, é verdade que sua mulher anda oferecendo perereca com pêssego pelo bairro? — arriscou o Santos.
Risadas.
— Ela cobra pelo pêssego ou vem de brinde com a perereca? — completou o Portela.
Risadas.
E assim foi o dia todo. Bom, já não bastava por tudo o que o Sr. Teixeira estava passando, aconteceu que, alguns dias depois, o caso caiu na mídia e teve grande repercussão. Então toda vez que o Teixeira andava pela rua, sempre tinha um engraçadinho que perguntava pela perereca da sua mulher. Para resumir, já não agüentando mais aquela situação constrangedora, ele acabou com o casamento e voltou a morar com a mãe.
Agora eu só me pergunto se no dia em que acharem um pêssego dentro duma lata de pererecas, irão sair por aí reclamando?
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Quando os Homens São Homens

terça-feira, 11 de agosto de 2009
terça-feira, 9 de junho de 2009
Irresponsabilidade
— Quantos dedos têm aqui?
Sua visão estava embaçada, tudo girava ao seu redor. Não compreendia bem aquela figura à sua frente, lhe mostrando a mão. O que ele disse mesmo? Estava confuso. Começou a ficar escuro, alguém lhe apertava o peito. O que estava acontecendo? Ainda há pouco estava no parque, brincando com seu filho e... E o que mesmo? Por que estava zonzo? Não havia bebido. Será que o café fez mal?
— Ponham-no na maca. Vamos levá-lo para o hospital. Depressa!
O que ele disse desta vez? Quem o estava carregando? Onde estava o filho? O que diabo estava acontecendo?
Acordou-se com uma sensação de náuseas, sempre a sentira com aquele cheiro de farmácia. Ao ouvir o som constante de um “bip” e notar que estava usando uma máscara de oxigênio, logo entendeu que estava no hospital. Olhou para o lado e viu sua esposa com aparência triste e cansada, dormindo sentada em uma cadeira ao lado.
Uma enfermeira surgiu em sua frente com um sorriso pouco encorajador no rosto.
— Finalmente acordou... Está se sentindo bem?
— Onde está meu filho?
— Procure não pensar nisso agora.
— O que? O que aconteceu? Eu estava com meu filho no parque e de repente tudo ficou confuso. Meu filho está bem?
— Senhor... Procure descansar.
— Mas me diga... O que aconteceu? Eu bebi alguma coisa? O café me fez mal?
— Não senhor... Quem bebeu foi o motorista que os atropelou.
— Atropelou? E meu filho?
— Descanse senhor. Não se preocupe com isso agora.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
domingo, 24 de maio de 2009
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Alfabeto do sucesso ao fracasso.
© 2009, by Gustavo Pierobom
Antigo anônimo andando assustado.
Belo brilhante buscando bravuras.
Conseguiu celestes cenários, chorando clemências.
Desiludido desertou durante demência.
Estado espiritual, excessos e essências.
Foi forte, foi fraco, forjou-se falência.
Grandioso guerreiro, glorioso ganhou.
Hábil homem, herdou honra, humilhou.
Incomparável, insistiu inquieto, impressionou.
Jeito justo, júbilo, jamais jazerá, jurou.
Lançou lúgubre longe, lutou.
Melhorou mundo medíocre, mas manteve mágoas mortais.
Narciso nato, nomeou notáveis negligências normais.
Oportuno observou oitavado o odioso
Proibido perdão. Por quê? Perfeita
Questão. Querendo qualificar-se querido,
Rebaixou-se ruindo receios, replicou requerendo razões. Recomeçou.
Sobreviveu submisso. Sujeito sem sorte. Sangrou sentindo
Terrível temor transcorrendo, talhando tremendo tormento.
Uivando ultimatos, únicos
Verbos viáveis. Virou vivente vagando vergonhoso, vertendo
Xingamentos
Zangados.