domingo, 27 de março de 2011

A Organização do Ópio


Chovia em Sherlock. Faltavam dez minutos para a meia-noite e os fósforos haviam acabado. Recriminei-me por ter aversão a isqueiros, e como eu não queria esfolar as mãos esfregando dois gravetos para produzir fogo, saí para comprar mais fósforos.
Havia um bar próximo a minha casa/escritório, então resolvi dar folga ao meu velho opala e andar um pouco. Com exceção de alguns cães e gatos vira-latas que disputavam seu jantar nas lixeiras, a rua estava deserta. Os finos pingos de chuva desfragmentavam-se no meu chapéu e o meu sobretudo estava sendo pouco útil com todo aquele frio. Apressei o passo e em poucos minutos cheguei ao Alambique Bar.
O lugar estava cheio e quente. Um punhado de adolescentes entretinha-se na única mesa de sinuca, enquanto, nas mesas, alguns outros desocupados procuravam o fundo das garrafas. O balcão estava vazio, e foi para lá que me dirigi.
O seu Joaquim, dono bar, armado de cabelos brancos e bigode avantajado, veio me receber, sorridente.
— O que vai ser hoje, Dash?
— Fósforos e um uísque duplo.
— Gelo?
— Não, à cowboy.
Servida a bebida, tomei um trago e acendi um cigarro.
— Seu Joaquim, já ouviu aquela do português que montou uma fábrica de papel higiênico?
— Oh, raios! Por que não te engasgas com o uísque?
Eu já sabia que o velho responderia daquela maneira, mas fazer o que? Eu não podia resistir à tentação de contar piadas de português para o único português que eu conhecia.
O seu Joaquim escapou da minha piada, indo levar cervejas para os rapazes da mesa de sinuca. Fiquei sozinho com a inconfundível e irritante voz do Galvão Bueno que era cuspida de uma TV 29 polegadas, onde passava a reprise de um programa esportivo. Peguei o controle remoto sobre o balcão e comecei a percorrer os canais, a fim de encontrar algo interessante, quando uma voz embaralhada fez-se ouvir em algum canto.
— Ei, mané, deixa no canal de esporte!
Voltei-me na direção da voz e notei um par de olhos inchados pelo álcool, pregados a uma cara de espantalho. Abri meu sobretudo e deixei à mostra o cabo da Magnun 44 no coldre de ombro, gesto esse que fez com que o bêbado perdesse a vontade de dialogar. Diabos! Um dos motivos para eu nunca ter me casado, era ter que discutir com quem fica com o controle remoto. Não seria àquele borracho que eu daria esta ousadia. Sintonizei no canal de desenhos, onde o Tom, com aquela impagável expressão de maldade, dinamitava a toca do Jerry. Olhei para traz, verificando se o bêbado aprovava, e ele presenteou-me com um sinal positivo com o polegar e um sorriso banguela. Dei a discussão por encerrada.
Bebi o restante do meu uísque e, após despedir-me do português, tomei o rumo de casa. A chuva ficara mais forte e eu refiz o caminho que há pouco percorra com uma sensação de dejavu. Quase chegando, notei que dois cães remexiam em algo na calçada em frente à porta do meu prédio. Da distância em que eu estava, pareceu-me ser um enorme saco de lixo, mas, chegando mais perto notei que, para o meu azar e principalmente para o dele, não era.
O cadáver jazia na calçada sobre uma poça de sangue. O pequeno punhal enterrado no peito deixava claro a causa da morte. O corpo do rapaz ainda estava quente, o que provava que ele fora morto ali mesmo há poucos minutos. Usando o meu lenço, revistei os bolsos e encontrei um maço de cigarros estranho: a embalagem era de papelão impresso com letras chinesas, e a falta dos avisos do ministério da saúde dava a entender que eram fabricados clandestinamente. Usando a câmera do meu celular, tirei algumas fotos do morto, dando destaque ao punhal com cabo em forma de dragão enterrado no peito. Feito isso, disquei o número do Marreta.
— Alô?
— Alo, Marreta?
— Fala, Dash.
— Te acordei?
— Não. To atolado de trabalho até o pescoço. A quadrilha do Gringo já assaltou três bancos nesse mês e a imprensa ta nos meus calcanhares.
— Lamento não ser uma boa hora, mas escuta essa: tem um defunto na porta da minha casa.
— Porra, Dash! O que você aprontou desta vez?
— Eu nada. Saí há pouco para comprar fósforos e quando voltei tinha um maldito defunto na minha porta.
— Quando você diz na sua porta...?
— Na calçada, em frente à porta do meu prédio.
— Como ele é? Pode ser que seja alguém do bando do Gringo, eu soube que eles andaram se pegando entre si.
— Homem branco, vinte a vinte a cinco anos com um punhal chinês cravado no peito.
— Um punhal chinês?
— Porra, Marreta! Se quiser saber mais ligue para o disque assassinatos. Venha ver você mesmo.
— Eu não posso agora, vou mandar dois homens. Não saia daí.
Acendi um cigarro e fiquei aguardando a polícia chegar, enquanto assistia a água da chuva carregar o sangue do rapaz para um bueiro. Cerca de dez minutos depois, um Vectra preto dobrou a esquina e estacionou próximo à cena do crime.
Dois policiais à paisana desceram do carro. Um deles era o Sargento Portela, meu velho conhecido: um negro de quase dois metros de altura, na casa dos cinqüenta anos, usava bigode e era completamente calvo. O outro era um homem jovem que eu não conhecia. Usava tanto gel no cabelo arrepiado que seria capas de quebrar um bloco de concreto com ele.
— Como aconteceu? — perguntou-me Portela, enquanto trocávamos um aperto de mãos.
— Não sei, eu saí há uma hora e quando voltei ele estava aí. Quem é o novato?
O rapaz estava parado ao lado de Portela como um filho obediente, olhando com uma expressão assustada para o cadáver.
— Este é Fábio Tavares. É a sua primeira semana na ativa, e me mandaram cuidar dele por uns tempos. Fábio, este é Malcon Dash, detetive particular licenciado.
Apertamos as mãos e eu perguntei:
— Está tudo bem, garoto? Você parece um pouco pálido.
Ele pigarreou.
— Tudo bem, tudo bem, eu só...
— Sei como é. Primeira vez que vê um cadáver, não é? — e lhe dei três tapinhas nas costas, mais para debochar do que para acalmar — Você se acostuma.
— Bem, vamos ao trabalho. — disse Portela.
— Não vão chamar a perícia? — perguntei.
— Que nada. O chefe quer tudo por baixo dos panos. Se a imprensa souber de mais este crime nessa semana, irão foder com ele.
Eu gostava do Portela, porque ele era das antigas, assim como eu. Eu nunca entrei para a polícia para não ter que seguir certas regras, mas o Portela, apesar de ser policial, não hesitava um instante em quebrá-las.
— Qual vai ser o procedimento? — o novato, recuperando um pouco da sua cor natural.
— Procedimento? — riu Portela — Vamos tirar algumas fotos, jogar o cara na mala e levar para o necrotério.
O sargento foi até o carro buscar uma câmera digital e o novato, munido de luvas plásticas, começou a revistar os bolsos da vítima, tentando não vomitar por cima do corpo e foder com os caras da perícia. Pensei em dizer para ele que não encontraria nada, mas resolvi deixá-lo sofrer mais um pouco. Terminada a revista, enquanto Portela tirava algumas fotos, o novato tirou do bolso um minúsculo gravador e começo a falar:
“Homem caucasiano, cabelos pretos, aproximadamente um metro e oitenta de altura...”
Ele ficou por dois minutos falando besteiras deste tipo. Registrou no gravador desde a hora aproximada da morte até as roupas que o defunto usava. Aquilo já estava me deixando nervoso.
“Possível causa da morte: ferimento causado por arma branca de origem oriental...”
— “Possível causa da morte”? — explodi — Jesus Cristo, o punhal ta cravado até o cabo! Afogamento é que não foi.
O garoto calou-se, não se envergonhado ou amedrontado. Por fim, os dois policiais, como já previra Portela, jogaram o cara na mala do carro e deram o fora.
Entrei em casa e preparei um café que bebi enquanto examinava aqueles estranhos cigarros. Eram compridos, marrons e fedorentos: cigarros de ópio. Eu ainda não tinha certeza do motivo que me levou a não entregá-los para os rapazes da polícia, mas de uma coisa eu sabia: uma investigação no bairro chinês seria interessante.
O dia amanheceu sombrio em Sherlock. A chuva não cessara e o frio continuava intenso. Após um café da manhã com um pão de dois dias e uma manteiga rançosa, subi no meu Opala e parti rumo ao Nova Xangai, o bairro chinês.
Como acabara de amanhecer, o trânsito ainda fluía rapidamente, então apenas quarenta minutos foram suficientes para atravessar a enorme Sherlock e chegar ao meu destino.
Ao cruzar a linha imaginária que marcava a fronteira do bairro chinês com o restante da cidade, tive a sensação de ser transportado para outro mundo. A obscuridade e os traços rudes de uma Sherlock que, na aparência, parecia não ter saído dos anos quarenta, davam lugar a um mundo multicolorido, de arquitetura alegre e estranhamente bonita.
Estacionei meu Opala logo na entrada do bairro e decidi fazer minhas buscas a pé.
Pelo menos o espaço de dez quilômetros quadrados do Nova Xangai era relativamente pequeno para a minha investigação, porém eu não tinha a menor idéia de por onde começar.
Passei a manhã inteira perambulando pelas ruas sem fazer progressos. Minha idéia inicial foi procurar por algum lugar que tivesse um dragão como símbolo, algo relacionado com o punhal, mas logo descartei essa possibilidade, pois quase a metade dos estabelecimentos comerciais tinha o sinistro bicho impresso em suas fachadas. Então resolvi me agarrar a minha outra pista: os cigarros de ópio.
Perdi mais duas horas perguntando aqui e ali onde poderia encontrar cigarros como aqueles, mas todas as respostas eram negativas. Boa parte dos moradores do bairro chinês era de descendentes da raça nascidos no Brasil, mas me iludi ao pensar que seria fácil extrair informações daquelas pessoas. Como seus pais, eram reservados, e tinham receio de abrir o jogo com um homem de olhos redondos como eu.
Já passava da 1h da tarde e o meu estomago me lembrou que já era hora de lhe dar a devida atenção. Fui até uma rua onde havia dezenas de barracas de feirantes vendendo alimentos rápidos ou artesanatos. Circulei um pouco entre elas à procura de algo comestível. Resisti à grande tentação de provar o bife de cachorro e o espetinho de escorpião, e acabei comendo uma coisa estranha que me juraram ser frango frito.
Estomago forrado, retomei minhas buscas. Após mais uma hora infrutífera, vi algo que poderia me ajudar a dar o primeiro passo: um adolescente negro usando calças largas, boné para o lado e uma camiseta que tinha a frase “Sou careta, não uso drogas”, encostado numa parede fumando um baseado. Ao ver aquele distinto cidadão que, como eu, estava completamente fora de lugar naquele bairro, tive um pressentimento de que as coisas começariam a dar certo. Fui até ele.
— Amigo, tem fogo?
Ele foi pego de surpresa. Com certeza não esperava ser perturbado por ninguém estando onde estava. O garoto puxou um isqueiro do bolso e eu puxei do meu o maço de cigarros de ópio e pus um na boca. Com esse meu gesto ele sorriu.
— Esse é dos bons, heim xará?
— Os melhores. Quer um?
— To fora, cara. Isso mata.
Peguei o isqueiro da mão dele, mas não acendi o cigarro.
— Você não tem medo de fumar maconha aqui no meio da rua, na frente de todos? — perguntei.
— Ta brincando, cara? No bairro chinês? Aqui é o único lugar da cidade onde um negro fumando “um” é invisível.
— E a polícia?
— A polícia não vem pra esses lados. Os chinas não incomodam eles e eles não incomodam os chinas. Sacou?
— Saquei.
— Mas e aí, vai ascender o bagulho ou não?
— Hum, não sei. Só tenho mais dois desses. Ganhei de um amigo, mas não sei onde consigo outros.
— É fácil, cara. Siga em frente por essa rua aqui e vire a terceira, não, a quarta rua à direita, ande por mais uns cinqüenta metros e vai encontrar um restaurante, o Dragão Verde.
— Um restaurante?
— Só fachada. É lá que vendem esses cigarros, mas ó: tem que ter grana, cara. Esse bagulho aí não é barato não.
— Obrigado.
Guardei o cigarro de ópio de volta no maço e segui na direção que o garoto havia indicado. Andei por uns minutos quando meu celular tocou. Era o Marreta.
— Você nem sabe a merda em que eu me meti, Dash.
— Que foi?
— Sabe o cara assassinado perto da sua casa?
— O que tem ele?
— É sobrinho do prefeito.
— E daí, você quer que eu chore?
— Não brinque Dash. O prefeito me deu dois dias de prazo para prender o assassino do garoto, se não ele torna o caso público e me ferra de vez. Do jeito que estão as coisas com esse negócio dos assaltos a banco, ele consegue isso só com uma ligação.
— Fique tranqüilo, meu velho. Já estou trabalhando nisso. Mais tarde te ligo.
— Como assim? Você está investigando o crime?
— Arrã.
— Já descobriu algo?
— Me dê uma hora e te respondo.
Desliguei.
Pouco depois, cheguei ao Dragão Verde. Dava para saber o tamanho que viria a conta depois de um jantar, só olhando para os móveis e a decoração do lugar. Tudo de gosto refinadamente caro. Desde as esculturas orientais que enfeitavam as paredes até os uniformes dos garçons.
A recepcionista me recebeu, oferecendo uma mesa. Como resposta, mostrei discretamente a ela o maço de cigarros. Ela pediu que eu a seguisse e eu obedeci. Fui conduzido até uma sala completamente vazia, atrás da recepção. As paredes não tinham pintura e o piso era de cimento. Não havia mesas nem cadeiras, nada. Apenas uma lâmpada fluorescente que deixava aquela espécie de sarcófago de cinco metros quadrados bem iluminada. Aguardei por alguns minutos, e um chinês que tinha a metade do meu tamanho chegou.
— Quantos cigarros vai querer? — ele perguntou com um sotaque carregado.
— Eu não fumo essa merda. Quero falar com o seu patrão.
O baixinho ficou surpreso, mas logo se recuperou.
— Você é policial?
— Eu sou o cara que vai estourar os seus miolos se não fizer o que eu mando. — e saquei o Magnun, apontando para a testa dele.
O china hesitou, mas bastou eu puxar o cão da arma, engatilhando-a para que ele abrisse o bico.
— Na cozinha. — gaguejou. — Ele está no depósito atrás da cozinha.
— Obrigado. — com um coronhasso na cabeça, o botei para dormir. — E boa noite.
Abri a porta da salinha e olhei em volta. Ninguém. O meu nariz me revelou que direção tomar para chegar à cozinha. Segui por um estreito corredor e cheguei até ela. Após uma rápida observação, fiz um registro em minha memória para nunca ir comer naquele lugar. Uma pilha de louça suja lotava a pia, manchas de mofo decoravam as paredes, inúmeros aquários de água esverdeada serviam de moradia para peixes, crustáceos e rãs, que eram preparados na hora. Isso para não falar das incontáveis baratas que corriam por todos os lados. A não ser que elas também fizessem parte da criação, aí eu já não sabia.
Atravessei rapidamente pela enorme cozinha onde nenhum dos cozinheiros pareceu me notar, e cheguei até a única porta que existia além dos banheiros. Só poderia ser o covil do chefão. Entrei.
O local era um enorme galpão, onde havia caixas e mais caixas de madeira que só podiam conter contrabando. Havia quatro chineses sentados em volta de uma grande mesa. No momento em que eu entrei dois deles levantaram-se e vieram em minha direção. O mais velho, obviamente o chefe, ergueu a mão num gesto que pedia calma aos dois capangas. Então ele falou algo em chinês para um dos homens e este traduziu para mim.
— O senhor Wang perguntou se no seu país é costume entrar na casa de uma pessoa sem ser convidado.
— Pergunte se no país dele é costume apunhalar pessoas no meio da rua.
Ele retransmitiu a mensagem no seu idioma. Wang respondeu e o capanga traduziu.
— O senhor Wang disse que antes de falar de negócios são necessárias apresentações. Quem é você?
— Trabalho para o prefeito. — menti. — O garoto que vocês mataram ontem é seu sobrinho.
Traduções feitas e refeitas...
— E por que pensa que nós o matamos?
Não existem muitos assassinos que utilizam punhais com cabo de dragão na cidade. Aposto que se pegarmos as digitais de vocês, alguma delas vai bater com as que encontramos no punhal. Sem falar no ópio que vocês estão vendendo por aí. Por que mataram o rapaz?
— O senhor Wang disse que de onde ele vem, quem não paga suas dívidas é punido com tal sentença.
— E de onde eu venho não é esperto matar um homem de quem se tem dinheiro a receber. O homem morre e a dívida também.
— A dívida morre, mas o exemplo fica. — traduziu o capanga.
— Está bem, que tal pararmos de filosofar e ir direto ao ponto? Quero que todos você se entreguem à justiça sob acusação de homicídio e tráfico de drogas.
— Se não? — desta vez o capanga falou espontaneamente.
— Se não vamos forçá-los a fazerem isso. Se eu não fizer uma ligação daqui a cinco minutos, dezenas de policiais irritados por terem que respirar esse mesmo ar nojento que vocês respiram, virão até aqui para chutar o rabo amarelo de vocês até a delegacia.
Wang não caiu no um blefe e fez sinal para que os capangas viessem para cima de mim. Finalmente o baile iria começar.
Os dois avançaram ferozes na minha direção. Desferi um cruzado no que estava à minha esquerda, mas ele desviou. Recebi um golpe do que estava na direita que acredito ter sido um chute, pois foi tão rápido que não percebi. Resolvi apelidá-lo de Bruce Lee. Cambaleei e o que estava na esquerda emendou uma seqüência de socos que me botou na lona. Vou chamá-lo de Jeckie Chan. Bruce Lee me chutou no estomago enquanto eu estava caído. Senti o golpe, mas agarrei sua perna e o derrubei. Levantei-me já desviando de um chute do Jeckie Chan e o acertei com um gancho no queixo. O impacto fez com ele desse dois passos para trás e deixasse a guarda aberta. Aproveitei o momento e apliquei um cruzado que o fez voar por cima de algumas caixas. Bruce Lee havia se levantado. Investi contra ele com um reto mirando o nariz, mas ele se esquivou e me acertou com cinco ou seis socos que foram tão rápidos que mal vi suas mãos, e arrematou girando o corpo e me acertando com a parte externa do pé na têmpora. Beijei a lona novamente. O Kung Fu daqueles dois estava me matando.
Levantei-me e fiquei outra vez na frente dos dois. Nós três sangrávamos, eu mais que eles. Vieram juntos para cima de mim, desferindo socos e chutes de todos os jeitos possíveis. Desviei-me como pude de alguns e dei o troco em forma de ganchos, retos e cruzados. O combate era selvagem. Eles com a sua técnica milenar bem elaborada, e eu com meus clássicos socos e algumas cabeçadas.
Jeckie Chan tentou um chute alto, buscando minha cabeça. Segurei sua perna com ambas as mãos e, rodopiando em torno de mim mesmo, lancei-o longe. Na queda ele bateu fortemente a cabeça e foi a nocaute. Restava o Bruce Lee. Com um movimento que eu não esperava, ele chutou minha perna, acertando atrás do joelho. O golpe fez com que eu me encolhesse deixasse a guarda baixa. Meu adversário arrematou com uma esquerda no meu rosto que quase me fez perder os sentidos.
Eu me encontrava deitado e ele veio para cima de mim, tentando me chutar. Usei nele o mesmo golpe que ele acabar de aplicar em mim: chutei a parte de trás da sua perna. Ele se dobrou e eu deferi um poderoso soco em sua garganta. Bruce Lee estava de joelhos com as duas mãos na garganta tentando em vão respirar. Aproveitei o momento e apliquei um violento reto em seu nariz. Pude sentir os ossos se quebrando com o impacto da minha mão, e ele caiu no chão. Acredito que ele não levantaria, mas para não restar dúvidas, chutei sua cabeça com toda minha força. Aquilo me fez bem, e então eu chutei de novo. Há muito tempo eu não apanhava tanto em uma briga.
A luta mal havia acabado e o chinês que estava ao lado de Wang, de quem eu já me esquecera, ergueu-se de súbito e lançou algo contra mim. Por puro instinto joguei-me para o lado e um punhal com cabo de dragão passou zunindo por mim para cravar pesadamente em uma viga de madeira às minhas costas. Era ele o assassino do garoto. Eu já estava cansado daqueles golpes de kung fu e, exausto como eu estava, provavelmente perderia outra luta no mano a mano. Saquei o Magnun do coldre e disparei. A bala explodiu no peito do chinês, fazendo com que ele tombasse para trás, já sem vida. Wang tentou um movimento, mas eu estava atento.
— Nem pense nisso. — engatilhei o revólver. — Jogue a arma para cá... Isso, assim. Agora se deite no chão com as mãos na cabeça, bem devagar.
Ele obedeceu e eu puxei uma cadeira para me sentar. Exausto, cuspi o sangue que preenchia minha boca, acendi um cigarro, e telefonei para o Marreta.
— Pode mandar o prefeito ficar quietinho, meu velho. O garoto estava envolvido com traficantes chineses.
— Não brinca.
— Já peguei alguns, venha já para cá.
— Para cá, onde?
— Anote o endereço.
Algum tempo depois, ele chegou com a cavalaria. A polícia invadiu o restaurante e levou várias pessoas presas, inclusive Wang, o chefe da organização. Após agradecimentos e tapinhas nas costas, dei o fora dali, subi no meu velho Opala e fui para casa.
Dois dias depois, o principal jornal da cidade noticiava o assassinato do sobrinho do prefeito e a imediata prisão dos culpados, com destaque para a mais que perfeita ação investigativa da polícia, desmantelando a organização do ópio. A capa do jornal era ilustrada com a foto do meu amigo Marreta, o chefe de polícia Dagoberto Silvério, trocando um aperto de mãos com o prefeito. Uma notícia com bem menos destaque, falava de um novo assalto a banco em Sherlock. Talvez eu tivesse que ajudar o velho Marreta com a quadrilha do Gringo também. Mas por enquanto eu só queria uma boa semana de descanso.

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